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Este Blog é para expor publicações periódicas que contribuam para desenvolver atividades artísticas culturais e recreativas dentro de uma postura construtiva através da Pedagogia da Animação, ampliando diversos conceitos da qualidade total nas áreas de Recreação, Folclore, Literatura e Música. Produzindo conhecimentos interdisciplinares no aprimoramento da cidadania.

domingo, 8 de dezembro de 2013

O SANGUE ALAGOANO É AZUL E ENCARNADO - CORREIO ELETRÔNICO - NATAL


O sangue alagoano é azul e encarnado

Tela de Irene Medeiros, nascida na Paraíba dos anos 20. Faleceu em 1994.
A pintura de Irene Medeiros é retrato fiel do pastoril ainda encontrado em AL
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Carla Serqueira · Maceió, AL
8/12/2006 · 75 · 2
Em 1959, Mário de Andrade eternizou em seu livro Danças Dramáticas do Brasil a seguinte afirmação: “O Pastoril nunca teve repercussão verdadeiramente nacional, sendo sua maior expansão e florescimento no Nordeste e Bahia, o que já não ocorre com as Cheganças, Congos, Caboclinhos e Bumbas, que deixaram vestígio marcante por quase todo o solo brasileiro”. O poeta paulista, referência nos estudos étnicos do País, completa o seu raciocínio: “Isso ao menos parece provar a pouca importância étnica do Pastoril, coincidindo com a sua pouca importância etnográfica e folclórica. De fato, o Pastoril é um fenômeno de imposição erudita, de importação burguesa, uma verdadeira superfetação, que jamais chegou a se nacionalizar propriamente e nem mesmo a se popularizar”.

Porém, em Alagoas, desde a chegada dos colonizadores portugueses, o pastoril encontrou solo fértil, onde até hoje brota a tradição. Durante todo o século 19, da mais distante cidade do interior ao mais movimentado centro urbano - na época, a capital Marechal Deodoro - a terra vermelha do massapê, banhada pelo azul intenso do mar, foi palco de incontáveis disputas entre os cordões azul e encarnado. A brincadeira que nasceu num mosteiro, segundo o poeta Mário de Andrade, ganhou ares profanos com o passar das décadas e promoveu, em meados do século passado, ferrenhas discussões entre respeitados estudiosos da cultura popular acerca dos caminhos que o pastoril tomava em cada Estado do Nordeste, principalmente em Pernambuco e Alagoas, onde estaria maior representado.

Com uma certa dose de provocação e despeito, e com clara preocupação com a reputação da cultura popular alagoana, o folclorista Théo Brandão, em seu livro Folguedos Natalinos, cuja primeira das três edições existentes dada de 1962, fez questão de frisar a diferença entre os pastoris apresentados em Alagoas e Pernambuco. “O pastoril alagoano diferencia-se da versão pernambucana do auto porque, apesar das deturpações, da inclusão de música e textos profanos, nunca chegou, mesmo o pastoril de rua, à licenciosidade, à chalaça, à imodéstia dos trajes, gestos e costumes que caracterizam o Pastoril popular do vizinho Estado”. Tal colocação é compreensível quando é observada a definição do antropólogo pernambucano Valdemar Valente do Pastoril que se popularizara no Recife.

“O Pastoril, embora não deixasse de evocar a Natividade, caracteriza-se pelo ar profano. Por certa licenciosidade e até pelo exagero pornográfico, como aconteceu nos Pastoris antigos do Recife”, escreveu o pesquisador recifense, em artigo titulado Pastoril, publicado no site da Fundação Joaquim Nabuco. “As pastoras, na forma profana do auto natalino, eram geralmente mulheres de reputação duvidosa, sendo mesmo conhecidas prostitutas, usando roupas escandalosas para a época, caracterizadas pelos decotes arrojados, pondo à mostra os seios, e os vestidos curtíssimos, muito acima dos joelhos”, detalhava Valente, que na revista Brasil Açucareiro, de 1969, noticiou: “Os jornais da época censuravam o ar indecente de que se revestiam certos presépios, lembrando que a polícia, no seu propósito de zelar pela moral pública e pelos bons costumes, devia cancelar o seu funcionamento”.

A origem e o significado
Apesar dos rumos diferenciados que o pastoril seguiu nos diversos povoados do Nordeste, os pesquisadores costumam dar a mesma versão para a origem e o significado da manifestação folclórica. De acordo com Mário de Andrade, a primeira idéia de representar o nascimento do Menino Jesus foi do monge Tuotilo, ainda no século 10. Primeiro chamada de Presépio, a dramatização da chegada do filho de Maria à Terra fragmentou-se com o tempo, transformando grande parte do espetáculo em jornadas soltas, canções que contam a aventura das pastoras em direção a Belém para visitar Jesus Cristo na manjedoura.

“Na verdade, a invenção dessa representação mística que é o Presépio é atribuída a São Francisco de Assis, que já em 1223, ajudado por seus frades, representou pela primeira vez a cena sagrada”, conta Mário de Andrade em Danças Dramáticas do Brasil. O folclorista potiguar Luís da Câmara Cascudo escreveu em seu Dicionário do Folclore Brasileiro, de 1954, que o pastoril “nasceu dos dramas litúrgicos representados nas igrejas, nos quais se assistia ao nascimento de Jesus, ao aviso [dos anjos] aos pastores, à adoração dos magos, e à oferenda de incenso, mirra e ouro. Antes de findar a encenação, há leilão de prendas, frutas, flores, trabalhos manuais, oferecidos pelas mestras e pastoras, açulando a rivalidade entre os partidários dos cordões azul e encarnado”.

Para Théo Brandão, conforme publicou em Folguedos Natalinos, “tem sido esse partidarismo dos cordões, apesar dos tumultos, das alterações, brigas e disputas, que ocasiona em fator da preferência do Pastoril por todas as classes sociais e uma das causas de sua extraordinária persistência e difusão no Estado”. Em seus estudos, citados na obra de Luís da Câmara Cascudo, o folclorista alagoano José Maria Tenório da Rocha registrou que o pastoril “é o folguedo de maior aceitação popular na capital alagoana, reflexo das disputas acirradas entre os adeptos do cordão azul e os do cordão encarnado, que muitas vezes brigam pra valer, até com peixeira”. O cordão que mais arrecada dinheiro, no dia seis de janeiro - Dia de Reis -, recebe a coroação e se torna o grande vencedor do ano.

Os personagens e a música
Com a difusão do pastoril no Nordeste, ao longo dos anos cada grupo adaptou a sua apresentação. Alguns personagens se tornaram fixos, como a mestra, líder do cordão encarnado; a contramestra, líder do cordão azul; a Diana, que dança no centro e é sem partido; e as pastorinhas, geralmente seis de cada cordão. As jornadas também sofreram adaptações, permanecendo iguais apenas as chamadas “jornada de chegada” e “jornada de despedida”. A representação da borboleta, da cigana, do pastor e do anjo Gabriel é comum entre os grupos e simbolizam as figuras que as pastoras vão encontrando no caminho até Belém. Algumas para ajudá-las e outras, para atrapalhar a marcha.

A música tem importância singular no pastoril, mas nem ela permaneceu intocável. Com a formatação profana do auto natalino, até os grandes sucessos das rádios na época tinham espaço durante as apresentações. “Interpretadas pelas pastoras em busca de aplausos e agradecimentos aos seus partidários, cançonetas, valsas, modinhas foram introduzidas como ‘parte’ dos atos e depois, à proporção que foram sendo música da moda, compareceram tangos argentinos, fox-trotes, boleros, rumbas, congos baiões e até macumbas e xangôs, divulgados pelos discos, além naturalmente do samba e dos maxixes brasileiros”, relatou Théo Brandão em seu estudo Folguedos Natalinos.

Formadas de violões, cavaquinhos, trombones ou saxofones, pandeiros e surdos, as orquestras que acompanham as jornadas do pastoril contam ponto pela animação, mas tem o número de músicos determinado pela condição financeira de cada grupo. Houve tempo em que diversos poetas duelavam, criando jornadas para atacar o cordão adversário e exaltar o próprio cordão. As “chateações poéticas” originavam ainda palavras de ordem, como as que foram recolhidas por Théo Brandão: “O encarnado no seu palacete. O azul levando cacete”, ou “Azul é o sol, azul é o mar, azul é a rainha que nós vamos coroar”. Tamanha as disputas, os pastoris invadiram as rádios, primeiro em Maceió e depois no Recife, se tornando cada vez mais populares e tradicionais nas duas cidades.

Ao conversar com pessoas que dedicam suas vidas para conservar o pastoril em Alagoas, a impressão que dá é que elas mantêm um elo sagrado com seus ancestrais - um canal por onde se alimentam de entusiasmo e da certeza de que estão cumprindo o seu papel para firmar e, sobretudo afirmar, sua identidade cultural. Apesar da falta de apoio institucional e das deturpações promovidas pelas mudanças do comportamento humano, estas manifestações chegam aos dias atuais com diversas características ainda conservadas. Nas linhas a seguir, o leitor vai conhecer brincantes alagoanos e as suas declarações emocionadas de amor pela cultura popular.

Dedicação tamanho família
A família inteira de Jeane Darc participa do Pastoril Menino Jesus. Mais conhecida como Jane, ela tem 39 anos e coordena 22 pessoas em dois ensaios semanais. Entre os integrantes do grupo, o esposo de Jane, José Vanildo, é o animador do cordão encarnado; a filha mais velha, a universitária Rafaela, 18, estudante de Pedagogia, é a Diana; o único filho tem 14 anos e é o pastor; a filha mais nova, Daniela, é a borboleta; e a Renata, a filha de 16 anos, é a contramestra. “O apoio da família é fundamental. Meu esposo no começo não gostava muito da idéia porque não dava dinheiro. Hoje ele adora o Pastoril. Depois dos ensaios, é ele quem leva todas as meninas para casa”, revela Jane, enaltecendo a dedicação de José.

Foi na Catedral Metropolitana de Maceió que Jane dançou pastoril pela primeira vez. “Eu tinha uns 12 anos. Quem ensaiava era Eudora Vasconcelos. Parei com 15 porque ela acabou o grupo de adolescentes e ficou só com o de idosos”. Quando os filhos de Jane estavam freqüentando a catequese, na Paróquia Menino Jesus de Praga, no Sanatório, ela convenceu as mães de outras crianças a montar um pastoril na igreja. “Eu queria voltar a ensaiar. Mas depois de um ano, ocorreram as desistências. Ao mesmo tempo, falei para mim mesma que iria conseguir. E consegui”. Desde criança, ela diz que tem fascinação pelo Pastoril. “O meu desejo é reativar o Pastoril da Catedral. É difícil porque agora aquela área é toda comercial, mas não é impossível. As pessoas dizem hoje que a cultura popular é cafona, mas antigamente toda a elite dançava”, recorda.

Depois das missas na Catedral, Jane e as demais pastoras costumavam já se encontrar no palco, preparadas para começar a apresentação. “As disputas eram divertidas. A minha família sempre ia assistir. O dinheiro arrecadado pelos cordões era destinado a uma escola de domésticas que havia ao lado da igreja. Os partidários que não tinham dinheiro davam abóbora, galinha, tinha fazendeiro que dava até cheque. A gente pendurava com alfinete todo o dinheiro na roupa. Era muito bonito. Hoje em dia, as pessoas nem conhecem mais o pastoril. Quando contratam, querem pagar com lanche e transporte, mas eu não vivo de lanche e transporte”, reclama Jane. “Antes, todas as escolas tinham o seu folguedo. Agora é só televisão e internet que interessa aos jovens”, conta ela, que é agente cultural do Estado e dá aulas de pastoril em seis escolas da rede pública de ensino.

Os CDs que “ressuscitaram” pastoris
O grupo Recordar é Viver surgiu há dez anos, quando Lucineide Medeiros, 38, foi convidada para ensaiar um pastoril na Igreja do conjunto Salvador Lyra. “Mas só podia participar quem freqüentava a missa e, então, faltou menina”. Persistente, ela se juntou às amigas da vizinhança. “Formamos um grupo misto, com crianças, jovens, adultos e idosos. Nosso objetivo é reunir todo mundo em prol da cultura popular”, explica Ana Ferreira, 66 anos, a contramestra da turma, que na infância não teve oportunidade de dançar pastoril. “Cresci na Paraíba e por lá não existe essa dança. Hoje não me vejo fazendo outra coisa”. Nilda Santos, 52, diz que tinha o desejo de ser pastora guardado há muito tempo. “Só agora é que estou vivendo a minha juventude”, conta, dizendo estar feliz e orgulhosa.

Ex-aluna do folclorista e professor Pedro Teixeira, Lucineide, a diana do grupo e caixa de uma casa lotérica, começou a dançar aos 5 anos. “Levei muita pisa do meu pai. Ele não gostava de me ver nos palanques, durante as festas”. Certa do que queria, ela fazia de tudo para não perder as apresentações. “O grupo do professor Pedro era muito conhecido, estava sempre viajando. Uma vez, meu pai disse que só deixava eu viajar se minha irmã fosse junto. Ela não gostava de pastoril, mas convenci dando presentes. A gente já estava esperando o ônibus e ela desistiu. Eu fui, mesmo sabendo que levaria uma pisa quando voltasse para casa”. Mãe de três meninas adolescentes, Lucineide ia ensaiar com os bebês a tira-colo. “É como se fosse uma profissão, eu me sinto realizada dançando pastoril”.

A dedicação da equipe resultou na gravação de dois CDs, com mais de trinta jornadas diferentes. “O mais gratificante foi saber que muitos pastoris foram reativados por causa dos discos”, conta Ana Ferreira. Um deles é o de Igaci. “A pessoa que ensaiava o pastoril de lá faleceu e o grupo havia acabado. Quando ouviram o disco, umas meninas se juntaram, aprenderam as músicas e hoje estão dançando”, explica Lucineide. “Voltar a dançar pastoril foi como ganhar um presente. Fico relembrando meus tempos de menina”, diz Ângela Maria, 52, natural de São José da Lage. O grupo quer, na véspera do Natal, se apresentar em Itapetim, Pernambuco. Tem estadia garantida, mas falta transporte. “Também estamos tentando lançar um DVD. Gravamos até com o padre Antônio Maria”.

A vitalidade da cultura popular
O nome Áurea de Barros Tavares é quase sinônimo de pastoril em Alagoas. Ela tem 82 anos e há 71 se dedica à dança folclórica. Natural de Satuba, desde os 5 anos já sentia que a sua missão seria levar adiante o auto natalino. Hoje, é ela quem costura os trajes de todas as meninas, toca surdo durante os ensaios e as apresentações e compõe as jornadas do Pastoril Mensageiras de Fátima. Na juventude, representou a borboleta, a cigana, a mestra e a contramestra, a libertina, a florista e atualmente diz ser uma eterna diana. “Meu partido são os dois cordões. Meu coração é do azul e do encarnado”. Sem apoio do Estado, Áurea de Barros ensina às suas pastoras a bordar as indumentárias. “Não temos dinheiro, então elas me ajudam com a costura, e a música eu mesma marco. Contrato só o sopro”.

Por causa das economias e, principalmente, da falta de interesse dos jovens, o pastoril de Áurea também foi perdendo personagens. “Muitas vezes apresentamos sem cigana, sem anjos, sem florista. Vamos adaptando as jornadas. Fui numa escola convidar os alunos, 16 deram o nome, mas só três apareceram”, lamenta. Mesmo quando morou por seis anos em Fernando de Noronha, Áurea não deixou de ensaiar. “Dava aulas por lá também”. Antiga como a sua paixão pelo folclore, a máquina de costura que ela usa tem mais de meio século. “Nesta máquina, fiz a roupa de borboleta da minha filha quando ela tinha seis anos. Hoje ela tem 60 e nem dança mais”. Rígida com a tradição, Áurea não gosta que adultos dancem o pastoril. “Tudo tem seu tempo. Na Bíblia, os pastores são jovens”.

Ela fica feliz quando lembra das pessoas que já dançaram em seu pastoril. “Tinha um pastor que hoje é padre lá em Roma”, conta, orgulhosa. “Recebo carinho de muita gente que ensaiava comigo. Muitos são advogados, médicos e até secretários de Estado. Já saiu do meu pastoril, inclusive, duas miss Alagoas”, revela. Com a mesma vitalidade de Áurea de Barros, se apresenta Luzia Simões, 72 anos, em Coqueiro Seco. “Eu não deixo de ensaiar o pastoril porque é ele que dá vida ao município”. Há três anos, apresentou o pastoril Nossa Senhora Mãe dos Homens no Recife, de onde traz boas lembranças. “Lá eu dancei com Antônio Nóbrega, numa barca no rio Capibaribe. É muito gratificante encontrar pessoas como ele, que valoriza o que a gente faz”.

Com muita saudade, Luzia lembra de seu tempo de menina, quando as disputas entre os cordões azul e encarnado rendiam brigas feias em Coqueiro Seco. “Saía até tiro. A gente brincava de julho até janeiro, Dia de Reis, com a coroação da mestra ou da contramestra. Hoje é mais desanimado, mas mesmo assim, faz gosto ver as meninas dançando”. Ela também recorda a ida de um grupo e pesquisadores do sul na sua cidade, que percorreu o Nordeste ano passado, catalogando as manifestações da cultura popular. “Mais turistas deveriam aparecer por aqui. Foi uma festa grande. Dançamos das três da tarde até às nove da noite”. Luzia recebe uma bolsa do governo para repassar os seus conhecimentos nas escolas de Coqueiro Seco. “Eu só paro se Deus quiser. Enquanto eu tiver saúde, vou em frente”.

Quando a persistência vence o preconceito
O sonho de criança de um dia subir no palanque e dançar o pastoril, Elúzia Maria Correia Cordeiro, 50 anos, nunca realizou. Nascida em Marechal Deodoro, ela não perdia uma apresentação na cidade. Suas três irmãs mais novas todas dançavam, Elúzia só podia olhar. “Meus pais nunca deixaram. Minhas irmãs nasceram brancas e eu sou de cor. Meu pai dizia que pastoril não era dança para negros. Ele tinha medo que zombassem de mim”. Ela conta que, na época, tinha o pastoril da elite, que se apresentava na frente das igrejas, e o de rua, com pessoas menos abastadas. “As mocinhas, além de brancas e bonitas, também tinham que ser virgens. Quando descobriam que alguma pastorinha não era mais, expulsavam do grupo e todo mundo na cidade ficava sabendo”, relata.

Certa de que não teria chances de fazer parte de nenhum pastoril de Marechal Deodoro, Elúzia, aos 14 anos, resolveu montar o próprio grupo. Reuniu algumas meninas da vizinhança e começou a ensaiar. “Um dia, uma senhora ligada à igreja chamou as pastoras que eu havia reunido e as convenceu de irem dançar em outro pastoril. Fiquei sem ninguém. Foi muito triste”. Mesmo com tantos contratempos, Elúzia sente saudades da época em que os pastoris eram a atração na primeira capital alagoana. “Toda semana, tinha pastoril por causa da feira. Antes era dia de quarta, então na terça, os matutos chegavam do sertão a cavalo para dormir em Marechal. De noite, o pastoril se apresentava. As pastoras faziam rosas e cravos de papel perfumado, e, durante a dança, saiam colocando no bolso dos feirantes para conquistar partidários e ganhar dinheiro”.

Elúzia diz que, entre as jornadas, as pastoras cantavam as músicas que faziam sucesso na época e ofereciam a alguém da platéia. “Principalmente a quem tinha dinheiro, como fazendeiros e políticos da região. As meninas cantavam músicas de Roberto Carlos, Agnaldo Timóteo e Paulo Sérgio para conquistar votos e o cordão sair vencendo. Além de serem bonitas e virgens, as pastoras tinham que ter uma boa voz”. As flores perfumadas eram devolvidas com alguma quantia. “O dinheiro era colocado na roupa, com alfinete. Depois começaram a usar urnas. Hoje e dinheiro é quase nenhum e é dado na mão mesmo”. Elúzia, junto com as irmãs, mantinha um pastoril em Marechal. Mas em 2004, o sobrinho, que era músico do grupo, foi assassinado. “Resolvemos dar um tempo, mas estamos pensando em retomar os ensaios no próximo ano”, anuncia.

A banda oficial das jornadas alagoanas
Romildo Manoel da Silva tem 57 anos e é o músico mais requisitado pelos grupos de pastoril em Alagoas. No mês de dezembro, ele se desdobra para dar conta de tantos pedidos. Natural de Coqueiro Seco, desde os 17 anos toca trombone. “Comecei tocando pífano de canudo de mamoeiro de brincadeira para as meninas que dançavam pastoril, eu tinha uns 12 anos na época, depois fui convidado para tocar na Filarmônica Francisco de Carvalho. Disseram que eu já tinha vocação para a coisa”. Foi no início da década de 1960 que Romildo aprendeu a tocar as jornadas. “Hoje as jornadas sofreram mudanças, cada grupo canta de um jeito diferente. Quem é músico, tem que conhecer bem as letras”. Ele diz que a estrutura de palco, a duração das apresentações e o público também mudaram.

“Quando a gente ia se apresentar na Praça da Faculdade cobravam até ingresso. O palanque era grande, todo enfeitado, chamava atenção. Hoje quase não temos mais lugar para o pastoril. Ninguém dança mais na véspera de Natal e nem no dia 31 de dezembro. Antigamente, antes da missa do Galo, o pastoril fazia a festa na frente das igrejas. Eu começava às oito da noite e só terminava lá para uma da manhã. Rompia ano novo no palanque. Agora, se muito a gente toca é uma hora, 50 minutos. O pessoal não quer mais pastoril, quer somente uma demonstração”, lamenta, ao explicar que antes cada pastoril tinha a sua banda. “Depois os músicos foram morrendo. Até uns dois anos atrás, eu dividia os pastoris com Agerson, um músico de Marechal, mas ele faleceu”.

A banda de Romildo, batizada de Sete de Ouro - ou Gold Seven – também anima bailes. Formada por seu filho, Romildo Júnior (sax), Luís Simão (surdo), José dos Coco (banjo e cavaquinho) e Zé Muganga (pandeiro), ele afirma que cobra o cachê de acordo com a distância. “Se é em Maceió, fica na faixa de R$ 70; mas se é interior, sobre para R$ 120, por aí”. Para tocar as jornadas do pastoril, Romildo explica que é fundamental um instrumento de sopro e o surdo. “O surdo marca o ritmo e o sax ou o trombone acompanha o canto”. O segredo da preferência dos pastoris por sua banda, o músico revela: “Eu não faço nada com preguiça. Eu gosto de tocar. Tudo o que eu faço é rindo".

Versão não editada da matéria publicada na Gazeta de Alagoas, no dia 03 de dezembro de 2006.

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