Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.
Traduzir-se uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.
Traduzir-se uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?
- Ferreira Gullar (1930 - )
qualquer-amor asked: Muito obrigada por essa coleção incrível de poetas.
Sou eu que agradeço pelo carinho! :)
Aceitarás o amor como eu o encaro ?…
…Azul bem leve, um nimbo, suavemente
Guarda-te a imagem, como um anteparo
Contra estes móveis de banal presente.
…Azul bem leve, um nimbo, suavemente
Guarda-te a imagem, como um anteparo
Contra estes móveis de banal presente.
Tudo o que há de melhor e de mais raro
Vive em teu corpo nu de adolescente,
A perna assim jogada e o braço, o claro
Olhar preso no meu, perdidamente.
Vive em teu corpo nu de adolescente,
A perna assim jogada e o braço, o claro
Olhar preso no meu, perdidamente.
Não exijas mais nada. Não desejo
Também mais nada, só te olhar, enquanto
A realidade é simples, e isto apenas.
Também mais nada, só te olhar, enquanto
A realidade é simples, e isto apenas.
Que grandeza… a evasão total do pejo
Que nasce das imperfeições. O encanto
Que nasce das adorações serenas.
Que nasce das imperfeições. O encanto
Que nasce das adorações serenas.
- Oswald de Andrade (1890 - 1954)
O Homem desperta e sai cada alvorada
Para o acaso das cousas… e, à saída,
Leva uma crença vaga, indefinida,
De achar o Ideal nalguma encruzilhada…
As horas morrem sobre as horas… Nada!
E ao poente, o Homem, com a sombra recolhida
Volta, pensando: “Se o Ideal da Vida
Não vejo hoje, virá na outra jornada…
Ontem, hoje, amanhã, depois, e, assim,
Mais ele avança, mais distante é o fim,
Mais se afasta o horizonte pela esfera;
E a Vida passa… efêmera e vazia:
Um adiantamento eterno que se espera,
Numa eterna esperança que se adia…
Para o acaso das cousas… e, à saída,
Leva uma crença vaga, indefinida,
De achar o Ideal nalguma encruzilhada…
As horas morrem sobre as horas… Nada!
E ao poente, o Homem, com a sombra recolhida
Volta, pensando: “Se o Ideal da Vida
Não vejo hoje, virá na outra jornada…
Ontem, hoje, amanhã, depois, e, assim,
Mais ele avança, mais distante é o fim,
Mais se afasta o horizonte pela esfera;
E a Vida passa… efêmera e vazia:
Um adiantamento eterno que se espera,
Numa eterna esperança que se adia…
- Raul de Leôni (1895 - 1926)
Eu devo, não quero negar, mas te pagarei quando puder
Se o jogo permitir, se a polícia consentir e se Deus quiser…
Não pensa que eu fui ingrato, nem que fiz triste papel,
Hoje vi que o medo é o fato e eu não quero um pugilato
Com seu velho coronel.
Se o jogo permitir, se a polícia consentir e se Deus quiser…
Não pensa que eu fui ingrato, nem que fiz triste papel,
Hoje vi que o medo é o fato e eu não quero um pugilato
Com seu velho coronel.
A consciência agora me doeu
E eu evito (detesto a) concorrência, quem gosta de mim sou eu!
Neste momento, saudoso eu me retiro,
Pois teu velho é ciumento e pode me dar um tiro.
E eu evito (detesto a) concorrência, quem gosta de mim sou eu!
Neste momento, saudoso eu me retiro,
Pois teu velho é ciumento e pode me dar um tiro.
Se um dia ficares no mundo, sem ter nesta vida mais ninguém,
Hei de te dar meu carinho,
Onde um tem seu cantinho, dois vivem também…
Tu podes guardar o que eu te digo contando com a gratidão
E com o braço habilidoso de um malandro que é medroso,
Mas que tem bom coração.
Hei de te dar meu carinho,
Onde um tem seu cantinho, dois vivem também…
Tu podes guardar o que eu te digo contando com a gratidão
E com o braço habilidoso de um malandro que é medroso,
Mas que tem bom coração.
- Noel Rosa (1910 - 1937)
Veja bem
Você tem também
Essa mania burra
De ser e de pensar
Que é legal não falar de política
Ter uma certa ética
E cantar qualquer coisa típica
Colocando pelo mundo
Esse sentimento profundo
Estrábico-democrático
Veja bem
Você ainda tem
Essa mania burra
De ser e de pensar
No clichê de levar sempre vantagem
Ter uma boa imagem
E usar de uma certa abordagem
Colocando pelo mundo
Esse sentimento profundo
Estrábico-democrático
E se por acaso alguém disser não
Com certeza é contra a nação
Você tem também
Essa mania burra
De ser e de pensar
Que é legal não falar de política
Ter uma certa ética
E cantar qualquer coisa típica
Colocando pelo mundo
Esse sentimento profundo
Estrábico-democrático
Veja bem
Você ainda tem
Essa mania burra
De ser e de pensar
No clichê de levar sempre vantagem
Ter uma boa imagem
E usar de uma certa abordagem
Colocando pelo mundo
Esse sentimento profundo
Estrábico-democrático
E se por acaso alguém disser não
Com certeza é contra a nação
- João Ricardo (1949 - ) & Secos e Molhados
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