TERÇA-FEIRA, 12 DE JULHO DE 2011
Nau-catarineta
A nau-catarineta é uma dança dramática com enredo tragicômico de uma nau sem rumo. Os personagens são o tenente-general, o capitão-patrão, o imediato, o piloto, o capitão-de-artilharia, o médico, o capelão, o contramestre, o gajeiro, o vassoura e o ração — os dois últimos, personagens cômicos. Melo Morais Filho menciona também um personagem por nome surjão (cirurgião).
Alguns participantes, vestidos de marinheiro e carregando nos ombros pequeno navio de velas içadas, desfilam no centro de um cortejo, que atravessa as ruas dançando e cantando uma marcha. Enquanto caminham, os personagens imitam o andar balançado, característico dos marujos de longo curso, e vão entoando uma canção que prenuncia os combates.
Chegados a um ponto determinado ou a uma casa, o navio é depositado, e começa a representação. O contramestre, de chapéu na mão, apresenta sua infantaria, e o auto desenvolve-se em torno do navio, sob a direção do capitão, que marca com apitos o início e o fim de cada um dos numerosos episódios, às vezes mesclados com fatos relativos a lutas contra os mouros. Isso ocorre no Ceará, na Bahia e na Paraíba, enquanto que em Pernambuco e Rio Grande do Norte não aparecem mouros nem lutas.
Num desses episódios, os marinheiros “cosem o pano” (isto é, cosem a vela do navio que havia sido destruída pela tempestade), após fingirem luta; no fim, há o episódio do gajeiro, durante o qual são cantados os versos da Nau catarineta, de origem portuguesa.
Embora em certas localidades se recitem loa e, em outras, tudo seja cantado, existe sempre unidade de ação: a história de uma nau em perigo de naufrágio. Às vezes ocorre uma briga, e os marujos terminam lastimando-se da vida no mar. Por fim, a nau segue viagem, e todos cantam despedidas para irem dançar em outro lugar.
Nos antigos fandangos de Pernambuco, havia uma cena final do aparecimento do Diabo, que se apossava do gajeiro da gata (marinheiro da gávea do mastro da mezena). No Rio Grande do Sul, o gajeiro recebe o nome de chiquito, por ser sempre representado por um jovem (castelhano chico). Também chamada marujada, fandango, chegança-de-marujos, barca.
A nota de Luís da Câmara Cascudo para a Nau Catarineta:
"Xácara portugesa narrando as peripécias de uma longa travessia marítima, as calmarias que esgotaram os mantimentos, a sorte para sacrificar um dos tripulantes, a presença da tentação diabólica e a intervenção divina, levando a nau a bom porto. Publicou-a Almeida Garrett no seu Romanceiro e Cancioneiro Geral, Lisboa, 1843. Impossível indicar o número de variantes em Portugal e no Brasil. No Romanceiro de Garrett é a XXVI, A nau Catarineta.
Muitos dos elementos sobrenaturais da xácara ocorrem nos romances El Marinero e Santa Catarina, divulgadíssimos na península ibérica e América espanhola, motivos da sedução demoníaca e da bondade divina. Houve realmente uma nau Catarineta que sofreu dolorosa jornada para Lisboa. Em 1666, os capuchinhos Michael Angelo de Gattina e Denis Carli de Piacenza, indo do Brasil para Portugal, encontraram calmarias no Equador e recordaram a tragédia do infelice vascello detto Catarineta (Mário de Andrade, A nau Catarineta, Revista do Arquivo Municipal. LXXIII, São Paulo, 1941; Renato Almeida, História da música brasileira, 211-216, ed. Briguiet, Rio de Janeiro, 1942).
É o documento mais antigo e revelador da historicidade do acontecimento. Transmitida oralmente, a xácara tem sido cantada ininterruptamente por todo o Brasil, isolada, como em Portugal, ou reunida às jornadas de um auto tradicional, fandango ou marujada, talqualmente sucede com outras xácaras portuguesas, O capitão da armada, por exemplo, que também está no fandango; (Jaime Cortesão, O que o povo canta em Portugal, 142. Livros de Portugal, Rio de Janeiro, 1942)."
A nau Caterineta (Sergipe)
Faz vinte e um anos e um dia
Que andamos n’ondas do mar,
Botando solas de molho
Para de noite jantar.
A sola era tão dura,
Que a não pudemos tragar,
Foi-se vendo pela sorte
Quem se havia de matar,
Logo foi cair a sorte
No capitão-general.
"Sobe, sobe, meu gajeiro,
Meu gajeirinho real,
Vê se vês terras de Espanha,
Areias de Portugal.
- Não vejo terras de Espanha,
Areias de Portugal,
Vejo sete espadas nuas
Todas para te matar.
Arriba, arriba, gajeiro,
Aquele tope real,
Olha pra estrela do norte
Para poder dos guiar.
- Alvistas*, meu capitão,
Alvistas, meu general,
Avisto terras de Espanha,
Areias de Portugal.
Também avistei três moças
Debaixo dum parreiral,
Duas cosendo cetim,
Outra calçando o dedal.
"Todas três são filhas minhas,
Ai! Quem mas dera abraçar!
A mais bonita de todas
Para contigo casar."
- Eu não quero sua filha
Que lhe custou a criar,
Quero a nau Caterineta
Para nela navegar.
"Tenho meu cavalo branco,
Como não há outro igual;
Dar-te-lo-ei de presente
Para nele passear."
- Eu não quero seu cavalo
Que lhe custou a criar;
Quero a nau Caterineta
Para nela navegar.
"Tenho meu palácio nobre,
Como não há outro assim,
Com suas telhas de prata,
Suas portas de marfim."
- Eu não quero seu palácio
Tão caro de edificar;
Quero a nau Caterineta
Para nela navegar.
"A nau Caterineta, amigo
É d’El-Rei de Portugal,
Mas não serei mais ninguém,
Ou El-Rei te há de dar.
Desce, desce, meu gajeiro,
Meu gajeirinho real,
Já viste terras de Espanha,
Areias de Portugal…"
Fontes: http://www.sescsp.org.br/sesc/hotsites/missao/fotos/foto_45.html; Enciclopédia da Música Brasileira - Art Editora; Jangada Brasil.
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